“Tudo que amamos são pedaços / Vivos do nosso próprio ser.”
Manuel Bandeira escreveu esses versos em A Vida Assim nos Afeiçoa, que é, talvez, um dos poemas mais desesperançados da língua portuguesa. Talvez não a melhor coisa para o meu eu adolescente ler, mas talvez exatamente por isso uma das melhores coisas para eu já ter lido.
Poderia fazer uma digressão sobre como vamos deixando pedaços de nós nos lugares por onde passamos, e como o que amamos nestes lugares é reencontrar nossos pedaços, mas o momento é para falar de por que retomar esse projeto, O Círculo, há tantos anos parado.
Houve vários livros que decidi por escrever, escrevi, e vida que segue, enquanto O Círculo se queria algo que nunca foi. Seu fracasso em se manifestar nas várias encarnações e projetos é, provavelmente, o que move o afeto ao projeto. São pedaços, vivos, meus que deixei em vários lugares ao longo dos anos.
Não é fácil ser adolescente, ainda mais para os párias de um mundo cada vez mais padronizado, e o fracasso talvez seja a única certeza que nós temos. As histórias de sucesso só conseguem se vender como tal através de uma edição cuidadosa que remova as miríades de fracassos que entermeiam as parcas vitórias. Porém, independente do resultado, calculado a partir do desejo ou da prescrição, nos caminhos vão ficando nossos pedaços, que depois olhamos com ternura, aos quais retornamos para nos sentir inteiros.
É comum dizermos que somos a nossa história, mas diria que só somos a nossa história quando olhamos para ela. Só quando retomamos o passado que nos damos conta de quem somos e somos, e dos tesouros que tivemos em nossas mãos.
O Círculo é um pequeno tesouro, que fala de pessoas que não atraem a inveja, não estão destinadas a serem CEOs ou celebridades. Que fracassam em várias coisas no dia a dia. Mas que também tem seus momentos mágicos, que amarão para sempre. Bandeira via nisso um requente de crueldade da vida, e talvez os personagens possam olhar para seu passado assim, mas gosto de pensar que estou permitindo que eles tenham momentos que possam iluminar e dar sentido a esse caos que chamamos de vida.