07 — A Árvore da Vida
por Cochise CésarJá estava subindo a escada quando deu meia volta e foi para os banheiros. Os blocos tinham o mesmo projeto, um espelhava o outro, uma árvore espelhava a outra. Não se espantou de encontrar Arthur de pé ao lado da entrada do banheiro feminino.
— Também estou curioso, — ele disse à guisa de cumprimento — se é Malkut ou Taumiel.
Ele tinha estudado sobre a Cabala e a Qliphot à noite, chamava as Sephira e Qliph pelo nome, Roberta constatou. Enquanto isso ela estava “sem internet” em casa, dependendo de haver algo sobre magia na biblioteca.
— Te conto.
O banheiro estava cheio e o box em que o símbolo deveria estar, ocupado. Roberta foi para as pias, frente ao box, o vigiando pelo espelho. Se espantou com o cabelo. Tinha dormido demais, depois de chorar até tarde demais e o cabelo estava armado demais. Começou a procurar pela bandana que devia estar em algum lugar da mochila avaliando se não devia fazer trancinhas ou dreads, ou qualquer coisa que mantivesse os cabelos no lugar. Quando achou a bandana a porta do box se abriu e deu meia volta imediatamente para conferir o símbolo que, como esperava estava lá e como esperava era a Cabala.
Enquanto ajeitava a bandana tentava desesperadamente lembrar se estava de costas para Malkut ou para Taumiel1.
— É a Cabala. — Anunciou para Arthur assim que saiu do banheiro.
— Faz sentido. — Ele respondeu. — Só não entendi a tríscele.
Parecia que ele tinha passado a noite pensando sobre os símbolos, enquanto Roberta tinha até se esquecido da tríscele. A sirene interrompeu as especulações.
— Bandana legal. — Arthur disse à guisa de despedida.
Durante a aula passou mais tempo rabiscando os prédios e os lugares onde estavam, ou estariam os símbolos do que prestando atenção. Ao longo da semana tinha ido três cadeira para trás na mesma fileira, não sem provocar alguns atritos mudos sobre “meu lugar”. Saber que estudava no prédio da Cabala e não no da Qliphot a aliviava um pouco, assim como saber que o símbolo era não da árvore invertida, mas da árvore completa; da vida e invertida juntas.
Renderson, quem tinha apresentado o black metal para ela, era do tipo de gostaria de estudar do prédio da Qliphot. Que ficaria decepcionado de saber que ao lado havia uma Árvore da Vida. Tinham namorado por um tempo. Criou uma relação ambivalente com as músicas, as adorava mas também as achava meio infantis. Se separaram logo, foi quase inevitável.
— Não sei vó, ele fica o tempo todo falando dessas coisas de magia negra, mas é um doce. — As duas varriam o terreiro, era quando conversavam.
— Não existe um orixá ruim, minha filha. — Ela respondeu como se encerrasse o assunto.
A árvore completa não era tão diferente da tríscele, concluiu quando marcou no rabisco o topo da escada onde a tinham visto. Três níveis em que tudo acontece, três partes que formam o todo, três pedaços que não podem ser sozinhos, mesmo sendo individuais.
— A igreja separa tudo em bem e mal, porque eles tem uma entidade que é boa e uma que é má. Aqui no terreiro não. Não existe orixá ruim. Cada um tem sua hora. Seu menino não é sempre ruim. Não pode ser.
— Mas também não é sempre bom. — Roberta entendeu onde a avó tinha chegado. — Posso trazer ele aqui?
A árvore completa não era muito diferente do que a avó ensinava no terreiro, mas era muito diferente do que a mãe estava fazendo com as coisas do Ronaldo, do que estava fazendo com ela. De todos os modos que tentava inferir onde podiam estar outras trísceles acabava com uma debaixo da terra ou flutuando acima da escola, o que a deixava um pouco exasperada. Era sexta-feira e o centro espírita fazia os bazares domingo de manhã. Estava decidida a ir a Icém, conversar com a avó e comprar alguma coisa de volta.
Renderson ficou horrorizado quando viu a avó incorporada. A entidade lhe disse alguma coisa que ele nunca contou o que foi, mas fez ele passar semanas evitando Roberta.
— Tem gente que gosta da ideia e morre de medo da coisa, minha filha. — A avó finalmente respondeu depois de dias perguntando.
Notas de rodapé
- Cada Qliph da Qliphot ou Sefira da Cabala, ou Sefirot, tem seu nome. A maioria das Qliphot é difícil de confundir, porque tem nomes como Sathariel ou Samael. Mas a Sephira mais próxima do mundo material tem um nome estranhamente maligno, assim como a Qliph mais distante do mundo material, e portanto mais próxima do Adversário. Não se pode culpar Roberta por não conseguir deduzir quem é quem.