08 — A Figueira
por Cochise CésarNão foi difícil achar a mesa do Círculo no refeitório. No canto.
— Isso é um filme americano? — Perguntou ao se sentar.
— Não, mas bem-vinda à mesa dos excluídos1. — Pâmela respondeu ao chiste.
— Correu tudo bem ontem? — Paula perguntou à Pâmela assim que chegou mesa.
— Depois daquele episódio não me batem mais. — ela respondeu com a fleuma exagerada — E se não me batem está tudo bem.
— Você não devia falar assim. — Paula retrucou.
— Por quê? — Pâmela perguntou em desafio. Marcus olhava a cena com ar cansado como se fosse a despedida de Casablanca.
— Porque… — Paula iria dizer algo em tom exasperado, muito diferente da confissão do box do banheiro do dia anterior quando Roberta a interrompeu.
— Porque não é verdade.
— O que não é verdade? — Pâmela mudou de alvo, mas continuou no mesmo tom de desafio.
— Que você não se impota mais. — Roberta respondeu em voz baixa enquanto desenrolava os talheres do guardanapo.
— É claro que… — Pâmela começou a dizer algo, mas parou e voltou a dar atenção ao prato bufando. Toda a mesa ficou em silêncio até Arthur chegar.
— Não consigo achar outra tríscele em lugar nenhum. — reclamou sem dar atenção ao clima pesado. — Isso não faz sentido.
— O que não faz sentido? — Denis perguntou do seu canto.
— O símbolo solto assim. As duas árvores fazem sentido. A tríscele abandonada no canto não.
— Duas árvores? — Paula perguntou. — Do que você está falando?
— Da Cabala e da Qliphot. — Ele respondeu impaciente.
— Eu não contei. — Roberta explicou.
— Ah… — Arthur fez menção de compreender. — Esteve ocupada, presumo.
— Um pouco. — Roberta pegou a deixa — E explicar esse tipo de coisa leva tempo, você sabe. — Acompanhava a impaciência dos outros enquanto adiava a revelação.
— Sim, a simetria das árvores envolve um pouco de matemática. E no fim, é uma questão secundária. Deveríamos é estar pesquisando se a escola tem um porão.
— Tudo indica que não, e se você que é daqui tem dúvidas… é mais um fator.
— Podem parar com a brincadeira e contar logo? — Pâmela resmungou de boca cheia.
— Claro. Quem discute com quem já quebrou ossos alheios? — Arthur respondeu — No prédio da direita tem uma cabala invertida, no prédio da esquerda uma cabala e a Cabala também é conhecida como árvore da vida.
— Definitivamente não é magia negra. — Roberta completou — Mas algo mais. A tríscele bate com isso. O três é sempre uma figura do todo, e se temos vida e morte nosso mago está representando o ciclo completo.
— Nossa maga. — Marcus falou pela primeira vez.
— Faz sentido. — Roberta respondeu lutando contra a vontade de comentar sobre o mutismo dele. — Afinal, é alguém que andou pelos banheiros femininos.
— Eu sempre deixo escapar esses detalhes. — Arthur completou. — Mesmo tendo que esperar na porta de um deles por alguém que pudesse conferir uma hipótese para mim.
— Você deixa escapar mais que isso. — Pâmela respondeu de boca cheia.
— Essa tríscele… — Paula perguntou, talvez para abafar os comentários ácidos da Pâmela — Tem a ver com a Trindade?
— Talvez. — Roberta respondeu. — É um símbolo mais velho que o cristianismo, mas significa mais ou menos a mesma coisa.
— A charada da esfinge também é mais ou menos a mesma coisa. — Arthur replicou sem concordar com a ideia.
— E o espírito santo seria o velho ou o bebê? — Marcus comentou, parecendo ter abandonado o mutismo.
— Ele… — Arthur começou — Isso não tem sentido. A relação é Édipo tríscele, tríscele trindade, não édipo trindade.
— Começou… — Pâmela resmungou enquanto se levantava com a bandeja.
— O quê?… — Roberta perguntou enquanto Pâmela ia para baixo da figueira.
— Pâmela odeia quando Marcus e Arthur fazem essas disputas de quem é o mais inteligente. — Paula explicou sussurrando.
— Eles fazem muito isso? — Roberta continuou sussurrando.
— Em pouco tempo você simpatiza com a Pâmela. — Paula completou rindo.
Arthur e Marcus levantaram e se dirigiram para a figueira.
— Perdi alguma coisa? — Paula perguntou.
— Marcus roubou meu caderno. — Carla, a garota que queria fazer Belas Artes, respondeu incrédula. — O Marcus! — repetiu para dar ênfase. — Roubou meu caderno!
Marcus segurava o caderno diante de si, com Arthur ao seu lado, enquanto Pâmela voltava com sua bandeja e cara de poucos amigos para o refeitório. Roberta levantou pensando em quanto perdeu nos poucos instantes cochichando com Paula.
— … é maior ainda. — Roberta ouviu as últimas palavras de Marcus antes de perceber o que eles examinavam. Uma tríscele estava gravada em relevo no tronco da figueira, entalhe antigo e há muito cicatrizado. No caderno, Carla tinha desenhado a figueira e em preto e branco o símbolo ficava mais claro.
— Isso é assustador. — foram as palavras que Roberta achou para comentar.
— Se houver uma terceira, vai estar do outro lado da rua. — Arthur respondeu. — Na igreja.
— Se estiver lá, isso sim, é assustador. — Marcus concluiu.
Notas de rodapé
- Algo mais comum nos EUA e sua cultura de idolatrar "vencedores" e desprezar "perdedores", alumas escolas brasileiras reproduzem esses comportamentos de exclusão dos que de algum modo não se encaixam. No CP o fenômeno ganha ares de auto-exclusão. Alguns membros do círculo costumeiramente sentam em outras mesas, com colegas de sala ou projeto.