15 — A Prosperidade
por Cochise CésarNão tinha sido difícil ficar para arrumar a sala com Arthur. Stephany saiu antes dele terminar a fala de encerramento das atividades e Pâmela foi imediatamente atrás. Os outros não demoraram.
— O que há entre a Pâmela e a Stephany? — Roberta perguntou, apesar de querer perguntar mesmo é o que havia entre ele e Pâmela.
— Dano colateral — ele respondeu enquanto embalava o resto dos biscoitos, sem alterar o tom de voz — Pâmela faz de tudo para me irritar tem um tempo. Acaba que a Stephany gosta mais de Shakespeare que eu. Bem mais. — Acrescentou rindo para si.
— E o que há entre você e Pâmela? — Roberta aproveitou a chance para perguntar o que realmente queria saber.
Arthur parou o trabalho antes de responder, mas continuou de costas para Roberta.
— Ela tem uma… personalidade forte… — ele escolhia as palavras, hesitante — E eu também… de certo modo… Ficamos muito amigos quando vim para cá, tem três anos… — ele ficou em silêncio por muito tempo. Roberta já abria a boca para dizer alguma coisa, quando ele finalmente concluiu — Uma situação com a família dela acabou fazendo a gente brigar feio. Muito. De lá para cá piorou muito, depois melhorou um pouco.
Ele começou a juntar os copos descartáveis ainda sem dizer nada.
— Você não tem “personalidade forte”. — não era uma frase muito inteligente, mas foi a primeira coisa que Roberta conseguiu pensar enquanto empilhava as cadeiras.
— Você não viu nada. — ele respondeu sorrindo. — Me perguntaram sexta se não tinha medo de andar com você.
— Medo? — Roberta perguntou antes de entender. É estranha a sensação de que um grande vazio ocupa o espaço onde estavam as suas entranhas até dois segundos atrás.
— “Claro que não.” — Arthur se virou para encenar a situação da semana anterior — “Assassinato é hereditário, claro, e meu avô era bugreiro. Sabe como é, essas coisas às vezes pulam uma geração. Inclusive, se São Paulo é violenta, é porque descendemos dos bandeirantes. Semana que vem vamos chacinar metade da escola e fugir para o México.”
— Você disse isso? — Roberta perguntou espantada, não sabia se devia rir ou chorar, dar atenção ao vazio das entranhas ou ao palhaço na sua frente.
— Cada palavra. — ele respondeu colocando a bandeja com a garrafa de café e o resto dos biscoitos no chão. — Ajuda com a mesa?
Roberta pegou o outro extremo da mesa em silêncio e o ajudou a colocar no canto, junto das cadeiras.
— Não prospere, ok? — ele disse voltando para junto das cadeiras, ainda metade por guardar.
— Como?
— Me perguntarem isso entra na lista de coisas mais nojentas que já vi, mas não fique “traída, amarga, em busca de vingança”. Não por esses babacas, pelo menos. — enquanto ele terminava de empilhar as cadeiras um longo silêncio foi entrecortado pelo plástico se encaixando. — Os meus problemas são brincadeira de criança perto dos seus ou da Pâmela e eu aprendi da pior forma que não devia me meter a consertar a vida alheia à revelia delas… Mas não prospere. Você não precisa de uma ilha e de um plano maquiavélico para consertar as coisas. Esses planos quase nunca resolvem as coisas.
Arthur já aguardava, perto da porta, , com a bandeja nas mãos, que Roberta saísse, o que ainda demorou alguns segundos.
— É por isso que a Pâmela te chamou de psicólogo? — Roberta perguntou assim que alcançou o corredor.
— Longa história, mas não. — ele respondeu antes de se encaminhar para a cantina. — Eu não posso te contar, mas se ela resolver, estou autorizando que ela conte sobre as minhas partes.
Roberta acompanhou Arthur com os olhos até ele começar a descer a escada. Tinha sido uma conversa estranha, não sabia como se sentir sobre ela. Era como se ele quisesse ajudar, mas manter uma distância segura. Vestígios e escombros do que quer que tenha acontecido entre ele e Pâmela, com certeza, e parecia grave. Ele tinha sugerido nas entrelinhas conversar com Pâmela, o que era mais fácil falar que fazer, não conseguia vê-la confessando detalhes íntimos do passado.
Segunda não tinha mais absolutamente nada para fazer, talvez devesse mesmo conversar com Paula e se inscrever em mais alguma atividade do contraturno.
O próximo livro seria Pigmalião, sugestão da Stephany.