Delicie-se

    O porta-retratos mostrava os três em Aparecida, Agda é católica, felizes. A foto tinha quatro meses, pouco antes da tempestade começar.

    “Todos os demônios estão aqui”, repetiu o trecho. Não era o melhor humor do mundo para a primeira visita aos velhos amigos e Beatriz percebeu.

    — Até parece que vai visitar um túmulo. — Ela resmungou enquanto tirava o misto do tostador.

    — Eles vão perguntar como eu estou. — Roberta respondeu desanimada.

    — E você não pode responder isso? — Beatriz perguntou.

    — Não sei se estou bem. Tudo isso acontecendo… — as palavras insistiam em não vir e quando saíam não significar o que sentia — mas não sei se quero conversar sobre isso.

    — Quando estava estudando para a iniciação, isso foi a coisa mais importante da minha vida. — Ela finalizou a assunto como de costume.

    — Não entendi, vó.

    — Eu achava importante e só pensava nisso, só falava nisso. Eu queria largar a escola e meu pai não deixou. Ele me disse “tudo demais é doença” e me mandou entrar no casamento da festa junina.

    — Entendi. — Roberta respondeu. Já estava acostumada a ter de desvendar o que a avó queria dizer. Quando tinha oito anos ela dizia: “Eu não ensino ninguém. Mostro umas coisas, você se quiser aprende.”

    Tinha algumas dezenas de coisas para contar. O contraturno, o Círculo, a escola e seus clubes. Raíssa iria querer saber quem eram os garotos mais bonitos, claro, mas Diego vinha também e não podiam conversar sobre isso com ele por perto.

    Por um momento se pegou pensando em como seria mudar para Icém, ao invés de ter nascido ali. Conhecia as pessoas desde sempre, tinham uma história ali. Em Rio Preto as pessoas se conheciam desde sempre e ela era a estrangeira que não conhecia as histórias que estavam acontecendo ou repercutindo, cada dia era investigar o passado, tentar descobrir a arquitetura desse prédio invisível de relações humanas.

    A campainha tocou, interrompendo os devaneios.

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